3. Aquisição de Equipamento Militar

RELATÓRIO FINAL

Relatora: Mónica Ferro (PSD)

 

  1. AQUISIÇÃO DE EQUIPAMENTO MILITAR

3.1 – Enquadramento Jurídico

Os programas de aquisição de material militar obedeceram a uma moldura legislativa que serve de referência aos trabalhos desta comissão de inquérito e que também deve ser considerada antes da apreciação factual e política.

Nesse sentido, a presente Comissão Parlamentar de Inquérito pediu à Divisão de Informação Legislativa e Parlamentar – DILP que elaborasse um dossier com informação e legislação – actual e revogada – relevante para apoiar os trabalhos da Comissão. Aqui se apresenta uma síntese desse levantamento.

«À data da maior parte dos programas de aquisição, vigorava o Decreto-Lei n.º 33/99, de 5 de Fevereiro (alterado pelo Decreto-Lei n.º18/2008, de 29 de Janeiro), e que viria a ser revogado pelo Decreto-Lei nº 104/2011, de 6 de Outubro. Este Decreto-Lei aprovou o regime jurídico das aquisições no domínio de defesa abrangidas pelo artigo 223.º, n.º 1, alínea b), do Tratado de Roma, que determina a não sujeição destes contratos às regras fixadas nas Diretivas n.ºs 93/36/CEE, do Conselho, de 14 de Junho, e 92/50/CEE, do Conselho, de 18 de Junho, e a desaplicação das normas que disciplinam a escolha do procedimento e respetiva tramitação para a generalidade das aquisições de bens e serviços por parte das pessoas coletivas de direito público.

Aplica-se subsidiariamente o regime geral do Decreto-Lei n.º 197/99, de 8 de Junho, que estabelece o regime de realização de despesas públicas com locação e aquisição de bens e serviços, bem como da contratação pública relativa à locação e aquisição de bens móveis e serviços, entretanto revogado parcialmente pelo Código dos Contratos Públicos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º18/2008, de 29 de Janeiro».

O Despacho conjunto dos Ministros da Defesa Nacional e da Economia n.º 341/99, publicado no DR 2ª série, de 21 de Abril de 1999, determina que os processos de aquisição de material de defesa por parte do Governo português que tenham por objeto bens e serviços constantes da Lista prevista no n.º 2 do artigo 223.º do Tratado de Roma, em valor não inferior a 5 milhões de euros. O n.º 2.º do Despacho define contrapartidas como o conjunto de compensações, quer de natureza económica, quer de parceria tecnológica e ou estratégica, que o Governo português estabelece com os fornecedores como condição para a sua aquisição e que possam contribuir para o desenvolvimento da indústria portuguesa.

O Despacho Conjunto n.º 341/99 também cria a Comissão Permanente de Contrapartidas (CPC), constituída por representantes da Direção-Geral de Armamento e Equipamentos de Defesa e três ramos das Forças Armadas do Ministério da Defesa Nacional; Direção-Geral da Indústria, ICEP, IAPMEI e INETI do Ministério da Economia e com a missão de se constituir como único interlocutor, por parte do Estado, com as empresas envolvidas em contrapartidas, de preparar as condições relativas a contrapartidas a incluir nos programas de aquisição e de apoiar na sua definição, negociação, avaliação, contratualização e acompanhamento.

O Decreto-Lei n.º 153/2006, de 7 de Agosto, procedeu a uma revisão profunda do Estatuto da CPC, a qual se inseriu numa ampla revisão do sistema de contrapartidas, operada pelo Decreto-Lei n.º 154/2006, de 7 Agosto, que aprovou o regime jurídico das contrapartidas.

Pela participação nos programas de contrapartidas podia ser exigido aos beneficiários o pagamento de comissões cuja fixação competia ao presidente da CPC. O Despacho n.º 19080/2008, de 17 de Julho, veio estabelecer o regime de fixação das comissões a cobrar aos beneficiários dos programas de contrapartidas e os parâmetros a que devem obedece

Entretanto, a Comissão Europeia apresentou, em Setembro de 2004, o Livro Verde sobre os Contratos Públicos no Sector da Defesa (COM (2004) 0608), com o objetivo de contribuir para «a construção progressiva de um mercado europeu de equipamento de defesa» (EDEM) entre os Estados-Membros numa base mais transparente e aberta.

O Livro Verde enquadrou-se na estratégia «Para uma política comunitária em matéria de equipamento de defesa», adotada pela Comissão no início de 2003. O objetivo foi conseguir uma utilização mais eficiente dos recursos no domínio da defesa e aumentar a competitividade da indústria na Europa e contribuir para a melhoria do equipamento militar no contexto da Política Europeia de Segurança e Defesa. O Livro Verde viria a sugerir a criação de uma diretiva para coordenar os processos de adjudicação dos contratos de acordo com a regulamentação em matéria de isenção estabelecida no artigo 346.°.

A Diretiva 2009/81/CE introduziu assim uma regulamentação considerada mais justa e transparente para os contratos públicos no sector da defesa para facilitar o acesso das empresas de defesa aos mercados de outros Estados-Membros. Esta regulamentação prevê o recurso a um processo de negociação com publicação prévia enquanto procedimento normal, permitindo maior flexibilidade, regras específicas relativamente à segurança de informação sensível, disposições em matéria de segurança do aprovisionamento e regulamentação específica referente à subcontratação. No entanto, esta directiva aplica-se apenas nos termos do referido artigo 346º. Os Estados-Membros podem isentar contratos públicos no setor da defesa e segurança, caso seja necessário para a proteção dos interesses essenciais em matéria de segurança.

A Comunicação interpretativa sobre a aplicação do artigo 296.º do Tratado no âmbito dos contratos públicos no sector da defesa foi publicada em 2005 (COM 2005 626) servindo de base à adoção de um Código Europeu sobre Contrapartidas, pela Agência Europeia de Defesa.

Com a transposição para Portugal da Diretiva n.º 2009/81/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Julho, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de determinados contratos de empreitada, contratos de fornecimento e contratos de serviços por autoridades ou entidades adjudicantes nos domínios da defesa e da segurança, deixou de ser possível associar contratos de contrapartidas, diretas ou indiretas, a contratos de aquisição de material de defesa.

O regime jurídico das contrapartidas tornou-se assim incompatível com a disciplina jurídica aplicável à contratação pública nos domínios da defesa e da segurança, razão pela qual se procedeu, pelo Decreto-Lei n.º 105/2011, de 6 de outubro, à revogação do Decreto-Lei n.º 154/2006, de 7 de Agosto.

É importante sublinhar que os contratos de contrapartidas que se encontravam em execução à data da entrada em vigor do presente decreto-lei, continuam a reger-se pelas disposições previstas no Decreto-Lei n.º 154/2006, de 7 de Agosto, até à cessação do último contrato, independentemente da modalidade de cessação.

A Lei Orgânica do Ministério da Economia e do Emprego (MEE), aprovada pelo Decreto-Lei n.º 126-C/2011, de 29 de Dezembro, viria a extinguir a Comissão Permanente de Contrapartidas, cujas competências transitaram para a Direcção-Geral de Actividades Económicas, (Decreto Regulamentar n.º 42/2012, de 22 de Maio).

Do ponto de vista institucional, o Ministério da Defesa Nacional organiza-se nos termos estabelecidos na sua Lei Orgânica (Decreto-Lei n.º 122/2011, de 29 de Dezembro).

Importantes na definição de competências são também a Lei de Defesa Nacional, aprovada pela Lei Orgânica n.º 1-B/2009, de 7 de Julho e a Lei Orgânica de Bases da Organização das Forças Armadas (LOBOFA), aprovada pela Lei Orgânica n.º 1-A/2009, de 7 de Julho.5

    1. Leis de Programação Militar

A Lei de Programação Militar tem por objeto a programação do investimento público das Forças Armadas relativo a forças, equipamento, armamento, investigação e desenvolvimento e infraestruturas com impacto direto na modernização e na operacionalização do Sistema de Forças Nacional.

A seguir apresentam-se, por ordem cronológica, as leis de programação militar e as leis-quadro de programação militar sucessivamente em vigor, bem assim como diplomas relevantes relativos à sua execução.

Lei n.º 1/85, de 23 de janeiro, alterada pela Lei n.º 66/93, de 31 de agosto

Lei-quadro das Leis de programação militar

Lei n.º 34/86, de 2 de setembro

Reequipamento das Forças Armadas

Lei n.º 15/87, de 30 de maio

Lei de programação militar

Lei n.º 67/93, de 31 de agosto, com as alterações da Lei n.º 17/97, de 7 de junho

Segunda Lei de programação militar

Lei n.º 46/98, de 7 de agosto, com as alterações da Lei Orgânica n.º 2/99, de 3 de agosto

Aprova a nova lei-quadro das leis de programação militar

Lei n.º 50/98, de 17 de agosto

Aprova a Lei de Programação Militar

Despacho do MDN n.º 18513, publicado no DR, II Série, n.º 247, de 26 de outubro de 1998

Núcleo de acompanhamento da LPM

Lei Orgânica n.º 5/2001, de 14 de novembro

Aprova a Lei de Programação Militar

Lei Orgânica n.º 1/2003, de 13 de maio

Altera a Lei de Programação Militar

Despacho n.º 5408/2004, de 19 de março (2.ª série).

Diretiva sobre a execução da Lei de Programação Militar

Lei Orgânica n.º 4/2006, de 29 de agosto

Lei de Programação Militar


3.3 Enquadramento institucional

O Ministério da Defesa Nacional organiza-se nos termos estabelecidos na sua Lei Orgânica, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 122/2011, de 29 de dezembro. Este Decreto-Lei veio revogar a anterior Lei Orgânica aprovada pelo Decreto-Lei n.º 154-A/2009, de 6 de julho, o qual, por seu turno, já tinha revogado o Decreto-Lei n.º 47/93, de 26 de fevereiro (alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 211/97, de 16 de agosto, 217/97, de 20 de agosto, 263/97, de 2 de outubro, 290/2000, de 14 de novembro, e 171/2002, de 25 de julho)

Também importantes no quadro da definição de competências são a Lei de Defesa Nacional, aprovada pela Lei Orgânica n.º 1-B/2009, de 7 de julho (publicada pela Declaração de Retificação n.º 52/2009, de 20 de julho), e a Lei Orgânica de Bases da Organização das Forças Armadas  (LOBOFA), aprovada pela Lei Orgânica n.º 1-A/2009, de 7 de julho.

Para além das entidades responsáveis designadas nas leis supra mencionadas, são relevantes para a análise dos programas de aquisição outras entidades de natureza diversa, designadamente:

CLAFA – Comando Logístico da Força Aérea

Nos termos do Decreto Regulamentar n.º 52/94, de 3 de setembro, que estabelece as atribuições, organização e competências do Comando Logístico e Administrativo da Força Aérea e dos órgãos dele dependentes, o Comando Logístico e Administrativo da Força Aérea (CLAFA) é um órgão central de administração e direção de carácter funcional e visa assegurar a superintendência e execução nas áreas administrativa e logística.

EMPORDEF

A Empresa Portuguesa de Defesa, SGPS, S.A. é a sociedade gestora das participações sociais (SGPS) que agrupa as participações diretas e indiretas do Estado em empresas da área da Defesa Nacional, como forma indireta de exercício de atividades económicas. Foi criada pelo Decreto-Lei n.º 235-B/96, de 12 de dezembro.

Para viabilizar a aquisição de equipamentos que, posteriormente, são locados ao Estado, foram criadas, no âmbito do grupo EMPORDEF, sociedades financeiras. É o que acontece com o Núcleo Financeiro da EMPORDEF, composto por:

– DEFLOC – Locação de Equipamentos de Defesa, S.A., envolvida na aquisição e locação dos helicópteros EH-101:e

– DEFAERLOC – Locação de Aeronaves Militares, S.A., envolvida na aquisição e locação de 12 aeronaves C-295M

OGME – Oficinas Gerais de Material de Engenharia

As OGME – Oficinas Gerais de Material de Engenharia – foram criadas em 1947, pela Lei n.º 2020, de 19 de março de 1947. A orgânica das OGME foi definida pelo Decreto-Lei n.º 41892, de 3 de outubro de 1958, que estabelece as normas orgânicas dos estabelecimentos fabris do Ministério do Exército, com as alterações dos Decretos-Leis n.ºs 49188, de 13 de agosto de 1969, e 252/72, de 27 de julho.

As OGME dependem funcional e hierarquicamente do Comando da Logística, desde 2006, cf. Decreto-Lei n.º 61/2006, de 21 de março, entretanto revogado pelo Decreto-Lei n.º 231/2009, de 15 de setembro.

PoLO – Portuguese Liaison Office

Nos termos do n.º 5 do art.º 25.º do Decreto Regulamentar n.º 52/94, de 3 de setembro, o PoLO funciona junto da Representação da Força Aérea na US Air Force Logistic Centre – USAF, designado hoje em dia por Air Force Material Command, a quem compete manter relações, no âmbito da aquisição e reparação de materiais e equipamentos, com a indústria e sectores logísticos das Forças Armadas dos Estados Unidos da América.

A Portaria n.º 742/2009 (2.ª série), de 6 de agosto, define o efetivo pessoal que assegura a representação e o respetivo enquadramento legal e financeiro6.


3.4 – Racional das aquisições.

Antes de antes de entrar na análise de cada programa de aquisição de equipamentos militares, importou a esta comissão reflectir sobre as reais necessidades – estratégicas e operacionais – de aquisição de material militar pelo Estado português. A avaliação do objecto precede, assim, a evolução processual concretizada pelos sucessivos Governos constitucionais, de 1998 a 2014. Nesse sentido, Comissão decidiu ouvir os Chefes dos três Ramos das Forças Armadas bem como todos os Ministros da Defesa Nacional, desde 1998,
à excepção do Professor Veiga Simão.

«Iniciar precisamente com os responsáveis dos três Ramos das Forças Armadas tem a ver um pouco com a vontade de perceber – não propriamente a matéria que vem a seguir, que é a da celebração dos contratos, as decisões políticas e até as decisões que são subsequentes a esses contratos, designadamente aquelas que têm a ver com as contrapartidas – mas (…) a compreensão da relevância deste equipamento do ponto de vista do Conceito Estratégico e do seu interesse do ponto de vista das Forças Armadas», declarou o Presidente da Comissão, Telmo Correia.

  • Das necessidades de aquisição militar no Exército.

O Chefe de Estado-Maior do Exército, General Carlos Jerónimo, enquadra as exigências de adquirir material militar: «Costumo sempre dizer que a segurança é um bem, é a base de tudo. O desenvolvimento vem a partir da segurança e, se virmos as intervenções nos teatros de operações no exterior, primeiro, começamos pela segurança e depois é que vêm os outros pilares do desenvolvimento, porque sem segurança não se faz nada. Temos de ter a capacidade de, nuns casos autonomamente, noutros cooperativamente, ou num cenário de emprego coletivo, ter os meios para responder. (…) Para cumprir este desiderato temos de ter pessoal preparado, unidades estruturadas e equipadas devidamente para cumprir estas missões».

O Chefe de Estado Maior General do Exército refere ainda a importância de cumprir os compromissos internacionais: «Quando Portugal oferece Forças, seja para a NATO, seja para a União Europeia, seja para as Nações Unidas, tem de ter equipamentos que garantam a proteção dos seus militares lá fora. (…) Combater significa poder proteger-se, poder fazer movimentos, poder fazer fogo e poder comunicar, e só com meios é que se faz isto. Já lá vai o tempo da espada. (…) E se nós pertencemos (perdoem-me a expressão) a vários «clubes», como as Nações Unidas, a União Europeia e a NATO — e a segurança é importante para todos nós, embora às vezes pensemos que os conflitos só se passam lá longe e não chegam até nós, já vimos por múltiplos exemplos no mundo que isso não é bem verdade —, temos de pagar a nossa parte da factura da segurança. Não podemos querer ter segurança e, depois, só os outros é que se encarregam da nossa segurança».

As aquisições de material no Exército decorrem de um processo em cascata liderado pelo Conceito Estratégico de Defesa Nacional (CEDN) e pelo Conceito Estratégico Militar. No âmbito da LOBOFA (Lei Orgânica de Bases da Organização das Forças Armadas), surgem as missões, o Sistema de Forças, o Dispositivo de Forças e a Lei de Programação Militar. Uma série de documentos estruturantes da Defesa Nacional, nomeadamente o Conceito Estratégico Militar (CEM), está em revisão, as Missões das Forças Armadas, o Sistema de Forças Nacional e as MIFA (Missões Específicas das Forças Armadas).

No Conceito Estratégico Nacional é definido o nível da missão e no Sistema de Forças Nacional são definidas determinadas capacidades, em que é necessário uma série de equipamentos para as preencher. «Ao nível do Exército devemos possuir uma capacidade de dissuasão defensiva convencional, autónoma e credível, o que requer a existência de capacidades com diferentes tipos de forças (ligeira, médias e pesadas). O Sistema de Forças Nacional — Componente Operacional (Exército) é o centro de gravidade do Exército e, como tal, é necessário que os seus atributos operacionais sejam credíveis, certificados e se configurem como facilitadores para a participação em missões no âmbito de organizações internacionais e no cumprimento de outras missões que lhe sejam atribuídas.

  • Das necessidades de aquisição militar na Marinha.

O Chefe do Estado-Maior da Armada, Almirante Luís Macieira Fragoso, fez o enquadramento geoestratégico das necessidades de material para o seu ramo:

«O mar voltou a ser um desígnio nacional, e seria bom que não ficássemos apenas na retórica, porque se temos interesses no mar temos de os defender. (…) Estamos agora no processo de alargamento da Plataforma Continental, submetemos esse processo, e estamos fortemente esperançados no sucesso dessa nossa pretensão. Temos de assegurar que controlamos esse mar que é nosso, porque, efetivamente, em estratégia, como na física, não há vazios, alguém os vai ocupar e, portanto, mesmo os nossos aliados têm os seus interesses».

No contexto da situação geoestratégica portuguesa, lembra que, para além da enorme extensão marítima que temos sob responsabilidade nacional, temos ainda, no espaço interterritorial, o cruzamento de muitas linhas de comunicação fundamentais para a Europa. «Aqui se cruzam as linhas de comunicação que vêm do Mediterrâneo — quem diz Mediterrâneo, diz Canal de Suez —, as linhas de comunicação que vêm de África, as linhas de comunicação que vêm da América do Sul, incluindo algumas da América do Norte que se destinam ao Mediterrâneo ou para zona próxima. Portanto, é uma zona de intensíssimo tráfego marítimo e uma zona que é fundamental que seja segura para o mundo em geral, mas para a Europa em particular e para Portugal ainda mais. Temos assistido ao que acontece, em casos mais extremos, naturalmente, quando os países ribeirinhos não garantem a segurança das suas costas e do mar que têm sob a sua responsabilidade».

Também o prisma da defesa dos interesses económicos do País entra na reflexão do Chefe de Estado-maior da Armada: «Sobretudo onde há riqueza, se houver riqueza — assim admitimos —, temos de garantir que essa riqueza não é explorada por outros e temos de ter, pelo menos, a capacidade de o afirmar. E se não tivermos capacidade de mostrar a nossa vontade de sermos soberanos, tudo isso passa, fica apenas em vontades sem expressão. Isto do ponto de vista da necessidade de termos uma Marinha credível».

Para potenciar o conceito da «Marinha credível», Luís Macieira Fragoso considera que «se nos quisermos afirmar primeiro como País soberano temos de ter instrumentos que mostrem claramente a todos os que participam na cena internacional essa nossa vontade de afirmar a nossa soberania, mas também no concerto das alianças, se queremos ter alguma validade, se queremos ter algum interesse para essas alianças, também temos de ter instrumentos que sejam considerados de interesse e credíveis acima de tudo».

E que instrumentos são esses?

«Compete, sim, à Marinha — e reafirmo-o — dar conta ao poder político de que, se quiser ter uma Marinha que afirme a sua soberania no seu espaço marítimo e que não se limite a fazer o controlo quase policial daquilo que existe, tem de ter submarinos. (…) O submarino é a arma dos pobres porque tem algumas características assimétricas, ou seja, um submarino pode fazer um estrago terrível e tem uma capacidade, como há pouco referi, de dissuasão enorme e, portanto, a sua eficiência em termos militares é muito superior».

Bastará ter submarinos? Para quê fragatas, por exemplo?

«Na projeção de força em terra os submarinos são um elemento importante, mas não podem fazê-lo sozinhos e, além disso, como digo, o submarino e a fragata são um complemento de uma força naval».

E há outros complementos: «É uma esfera que se desloca com a força naval em termos de proteção: é o espaço controlado por radares ou por aviões que estão em posição avançada, é a zona de superfície controlada também por radares e outros equipamentos — helicópteros e outros —, e é a subsuperfície, que é controlada pelos sonares dos navios mas, acima de tudo, pelos submarinos. Como eu disse, a melhor arma antissubmarina é outro submarino, porque consegue operar nas três dimensões, que são as que acontecem debaixo de água.

«Nós, com as fragatas e com os submarinos, temos garantido e somos conceituados no concerto das nações navais com navios mais sofisticados e isso é extremamente importante e é avaliado, por exemplo, nos exercícios que efetuamos com os nossos aliados. (…) Os nossos submarinos têm estado também a operar em missões NATO, não em exercício mas em operações reais, como a operação que está a decorrer no Mediterrâneo — a Active Endeavour —, que foi acionada no âmbito do artigo V».

Considerando os modelos de que Portugal dispõe actualmente como dos mais modernos, em termos convencionais, o Chefe de Estado-Maior da Armada discorreu ainda sobre o conjunto de capacidades de que dispõe: «Proteção avançada à força naval; patrulha da área oceânica antissubmarina ou anti-superfície; vigilância da ZEE no quadro de uma política de dissuasão em infrações ambientais e de segurança; vigilância e recolha de informações discretas junto à costa; ataques seletivos a interesses de alto valor estratégico na zona litoral; interdição de áreas focais junto a portos, costas ou zonas de navegação de elevado interesse, através de operações de minagem e de luta antissuperfície; ações de negação de uso do mar em áreas oceânicas; vigilância discreta nas áreas costeiras de atividades ilícitas como o narcotráfico, tráfico de pessoas ou outras atividades; vigilância da infiltração a partir do mar de material ou de indivíduos relacionados com o terrorismo internacional; introdução discreta de elementos de forças especiais».

Convidado a desenvolver o tema pela Deputada Cecília Meireles, o Almirante Luís Macieira Fragoso acrescentou: «Um submarino é um navio com características que lhe permitem navegar debaixo de água com enorme discrição; a sua deteção é muito difícil; tem um conjunto de equipamentos que lhe permite, por outro lado, que detete forças a grande distância; tem capacidade para recolha de informação na costa oponente ou em situações em que essa recolha seja do interesse do Estado português de forma também discreta, portanto não detetada; tem capacidade para transportar equipas de ações especiais e desembarcá-las em imersão e, portanto, também de forma totalmente discreta; tem uma capacidade dissuasora ímpar, porque possui armas de longo alcance, o que, associado à dificuldade de deteção, torna, como há pouco referia, a negação do uso do mar por forças oponentes, sejam elas quais forem. Portanto, é um enorme elemento de dissuasão para essas forças. Quando se tem um submarino no mar, não se sabe onde ele está. Basta sair da base, pode estar em qualquer sítio, e isso pode ser usado como elemento dissuasor.

Para além disso, hoje em dia os submarinos modernos, como são os nossos, têm armas, torpedos, que vão para além dos 50 km e têm mísseis que podem atingir alvos em terra e no mar com elevada precisão. Portanto, são elementos muito dissuasores».

«Num âmbito não tão combatente, não tão militar, mas num âmbito de apoio a outras missões, têm uma enorme capacidade de recolha de informação: podem fazer seguimentos de embarcações de forma discreta e, portanto, serem muito relevantes no seguimento de embarcações empregues em ações ilícitas. (…) Portanto, para a Marinha portuguesa, para Portugal, constituem uma mais-valia importantíssima».

O Chefe de Estado-Maior da Armada explicou à Comissão que estes submarinos garantem ao nosso País o controlo do que se passa à superfície e também à subsuperfície – o que considera um elemento que interessa referir. Não só os submarinos conseguem detectar a arma antissubmarina, por excelência, que é o outro submarino que andam na zona, «como tão importante é o facto de nos ser conferida uma autoridade de controlo de tráfego, digamos assim, por sermos uma nação possuidora de submarinos. (…) Isso permite-nos, para além de exercer esse controlo — e esta é uma área de relevância para o nosso País —, ter conhecimento dos submarinos que andam na nossa zona».

E que conclui, no cálculo do custo-benefício, «diria que o submarino é, por excelência, a arma mais eficiente para garantir a soberania nacional».

Considerando a arma submarina de valor estratégico, lembra que Portugal opera submarinos há mais de 100 anos e que existe uma escola de operação de submarinos na Marinha que demora anos a fazer-se e que, segundo o Almirante Luís Macieira Fragoso, tem de ter a continuidade da operação. Mais considera que «se Portugal não tivesse optado pela aquisição de novos submarinos e os quisesse agora adquirir o retomar desse processo demoraria mais de 15 anos para que tivesse de novo essas valências, porque é preciso formar as pessoas, é preciso uma cultura de submarinista».

Relativamente ao que seria Portugal sem submarinos, garante que «não teria controlo sobre o espaço subaquático, teria muito menos capacidade de se afirmar internacionalmente em termos de Marinha e para a sua soberania, não teria as mesmas valências no quadro das alianças para se afirmar também nessa matéria e, finalmente, teria menos um elemento importante para a ajuda à recolha de informação e ao combate a ilícitos a partir do mar».

Naturalmente, o Almirante sublinha que compete ao poder político decidir em função das suas disponibilidades e das suas opções em relação às vulnerabilidades que está disposto a assumir. Mas, dadas as valências desta arma estratégica concluiu: «não houve muitas dúvidas da parte da decisão governamental e de qualquer dos vários governos que estiveram em funções nesse período. Foi sempre um processo que teve seguimento. (…) não é nem um capricho de políticos nem um capricho de militares; é uma opção de natureza técnica e, depois, é uma opção de julgamento político, naturalmente».

Quanto ao programa de aquisição de torpedos Black Sark, referiu que este programa de aquisição constitui um subprojecto do programa de construção de submarinos.

  • Da necessidade de aquisição militar na Força Aérea.

O Chefe do Estado-Maior da Força Aérea, General José Araújo Pinheiro, identificou primeiro qual a intervenção da Força Aérea no processo de aquisição militar, do ponto de vista da identificação de necessidades e da decisão.

«Temos os documentos que são, diria, as nossas «bíblias»: o Conceito Estratégico de Defesa Nacional e o Conceito Estratégico Militar, que descrevem as missões. Nós identificamos as missões e o nível de ambição — é importante referir o nível, não é só fazer missões é como as queremos executar».

A partir de aqui tentam identificar os meios serão necessários para cumprir as capacidades e para colmatar lacunas. A Lei de Programação Militar diz quais são os programas que a Força Aérea está autorizada a executar, qual o financiamento que está adequado e o período temporal que está relacionado com cada programa. Essa lei, que define meios, financiamento e o enquadramento temporal, é aprovada na Assembleia da República.

O General José Araújo Pinheiro garante que a Força Aérea tem cumprido como se testemunha pelo nível de execução dos seus programas da Lei de Programação Militar. «Definimos requisitos operacionais, técnicos e logísticos que propomos superiormente à tutela; analisados e aprovados estes requisitos, é feito um concurso, normalmente um concurso público, que recebe as propostas e segue os trâmites de qualquer concurso público». Mais adianta que a Força Aérea participa activamente em todas as fases do concurso e no processo de identificação do cumprimento dos requisitos operacionais e técnicos e, por vezes, nos testes necessários para validar os equipamentos.

«Naturalmente, para sermos hoje uma Força Aérea pequena, equilibrada e capaz quer dizer que fomos capazes, ao longo dos anos, de planear, projetar, programar e cumprir um programa razoável de construção: em primeiro lugar, a definição e identificação de lacunas; estudar opções para colmatar essas lacunas; propor superiormente as opções que entendíamos mais adequadas; e, naturalmente, conseguindo justificar o nosso caso, levando a que as várias tutelas políticas com que, ao longo dos anos, temos trabalhado concordassem com os projetos e que, de algum modo, apoiassem esta construção de capacidades da Força Aérea. (…) Temos também uma grande preocupação na execução dos programas. De resto, as boas práticas da Força Aérea neste aspeto poder-se-ão ilustrar pelo grau de execução não só dos programas previstos na Lei de Programação Militar como da própria Lei de Programação».

O Deputado José Magalhães interveio para saber quanto é que o Estado português despendeu nesses programas; se havia ou não necessidade do equipamento adquirido, em qualquer modalidade; se o equipamento entregue correspondeu às especificações operacionais; e quais foram as vicissitudes que rodearam a aquisição e colocação ao serviço desse equipamento. Referindo que, em relação aos programas elencados por esta Comissão, estamos a falar dos referentes ao helicóptero EH-101, ao avião C-295, ao avião P-3C e ao F16.

O Chefe de Estado-Maior da Força Aérea fez então um rápido apanhado dos projetos que o ramo tem em mãos:

Helicóptero EH-101: Adquirido para substituir a frota do SA-330 Puma, cujo contrato foi assinado em 1970. «Ao fim de 32 anos, (esta frota) apresentava já alguma vetustez, não só em termos das máquinas propriamente ditas como também em termos das suas capacidades. (…) Considerando a nossa área de responsabilidade de busca e de salvamento aéreo e também de busca e de salvamento marítimo, tinha grandes limitações, desde logo o facto de só poder operar de dia, de só poder fazer evacuações de navios durante o dia. Tinha, portanto, um alcance relativamente limitado, o que fez com que tivesse sido proposta a substituição deste helicóptero. De acordo com os procedimentos lançados, a tutela optou pela aquisição do EH-101».

O General José Araújo Pinheiro adiantou que, neste momento, Portugal dispõe de uma frota de doze helicópteros, sendo que dez estão especificamente equipados para busca e salvamento, transporte aéreo tático e evacuação aero médica e dois têm equipamentos adicionais para uma intervenção na área do sistema de fiscalização de pescas, que é um programa que teve a participação da União Europeia.

C-295: avião bimotor, de fabrico europeu, inicialmente da CASA, agora da Airbus Military que substituiu o C-212 Aviocar. Foi também adquirido no final da guerra de África. Os primeiros aviões chegaram a Portugal em 1974 apesar de a compra ter sido feita anteriormente. «Particularmente, a grande limitação do C-212 era o alcance e a capacidade de carga: considerando o nosso espaço estratégico e a sua descontinuidade, por exemplo, o C-212 não conseguia voar directo, tinha de levar tanques especiais para conseguir chegar à Madeira. Era um avião que estava gasto.

Já mais recentemente, adquirimos dois aviões especificamente equipados para a fiscalização das pescas e substituímos essa frota pelo C-295. Recebemos os primeiros aviões em 2008 e temos agora 12, sendo que 7 são de transporte aéreo tático, de busca e salvamento e de evacuação aeromédica e 5 que fazem também esta missão mas que têm equipamentos próprios para fazer vigilância marítima».

P-3: Havia cinco aviões P-3P recebidos pela Força Aérea Portuguesa em 1998, comprados à Austrália em segunda mão e modificados. «Eram aviões fabricados nos anos 60 — julgo que o ano de fabrico era 1968 —, pelo que a Força Aérea, em determinada altura, teve necessidade de fazer uma extensão da vida de fadiga destes aviões. Os aviões estavam com muitos anos de operação e com problemas estruturais, por isso foi equacionado fazer a extensão da vida destes aviões».

Quando se estudou o programa, a Força Aérea concluiu que «não era economicamente interessante» fazer um programa de extensão de vida destes aviões e a atualização de equipamentos quando havia equipamentos em segunda mão no mercado que seriam economicamente vantajosos.

Assim, no contrato assinado em 2005, adquiriu cinco aviões à Força Aérea holandesa, versão P-3 Charlie tendo estes aviões dos anos 80 sido adaptados para os padrões atuais das operações. «De relevar que este avião P-3, para além de ter uma missão puramente militar e que tem a ver com a luta antissubmarina, com as operações em ambiente ar/mar, antisuperfície, tem também hoje umas capacidades extremamente relevantes na área do ISR (Intelligence, Surveillance and Reconnaissance), estando extremamente bem equipado nessas vertentes».

No que diz respeito à responsabilidade de busca e salvamento, o General José Araújo Pinheiro lembra que a nossa área de busca e salvamento atinge cerca de 6 milhões de km2, cerca de 60 vezes a área do nosso território continental. Trata-se de «uma área descontínua, imensa, uma das maiores áreas de busca e salvamento do mundo, o que implica que tenhamos também de ter capacidade para garantir a nossa soberania e a nossa presença nessa área».

Na sua opinião, «O P-3 é o avião que consegue, com alguma capacidade, o que nos dá muita confiança, cobrir toda a nossa área de busca e salvamento. É um dos aviões a hélice mais rápidos e que, pelo alcance, pelos sensores e pela autonomia que tem, garante a cobertura de toda a nossa área de busca e salvamento, como foi demonstrado há um mês ou dois, quando tivemos de prestar assistência a um veleiro que estava praticamente em Cabo Verde».

F16: os primeiros 20 aviões foram adquiridos em 1990 para substituir os A-7 Corsair (aviões de ataque ao solo). «Eu diria que desde os anos 50 não tínhamos uma capacidade de defesa aérea credível. (…) Tendo a tutela identificado esta lacuna, o General adianta: «adquirimos 20 caças F16 novos na versão Block 15 OCU (Operational Capability Upgrade), que era uma versão equivalente à utlizada, na altura, pelos nossos aliados europeus, que hoje fazem parte, connosco, do Multinational Fighter Program, sendo um avião muito vocacionado para a defesa aérea. Entretanto, nessa altura, tínhamos capacidade de defesa aérea, com os F16, e de ataque ao solo, com o A-7. O A-7 começou a ficar obsoleto e, mais tarde, houve a proposta de se adquirirem mais F16 para substituírem as capacidades do A-7.

Com esta segunda aquisição veio também o alinhamento com os nossos parceiros europeus, com os cinco países de quem somos aliados em todo este processo do F16, e comprámos também os kits de modificação e de upgrade dos aviões. Portanto, na segunda esquadra, recebemos, ao abrigo do Excess Defense Articles, material excedentário das forças armadas americanas, 25 fuselagens para fazer 20 aviões modificados (as outras 5 fuselagens serviriam para usar algumas peças)».

Esses aviões foram recebidos a título gratuito, sendo que Portugal teve de pagar o transporte e os kits de modificação, normalmente designado como segunda esquadra, foi feito em parceria com a OGMA. «Houve um contrato com a Lockheed e transferência tecnológica para a OGMA. O primeiro avião foi feito com assistência da Lokheed, sendo que, a partir daí, foi tudo feito na OGMA, que, em conjunto com a Força Aérea, fez a modificação destes 20 aviões». A partir de 2001 foi autorizada também a modificação dos 20 aviões originais.

«Portanto, modificámos 40 aviões na OGMA, e a Força Aérea, porque tem a preocupação de garantir que o que tem é o que precisa, chegou à conclusão de que não tinha necessidade de ter 40 aviões, pelo que disponibilizou nove aviões para alienação. Assim, estes nove aviões foram alienados à Roménia, num total de 12, ou seja, é um contrato em que vêm três aviões dos Estados Unidos para fazer o package de 12. A Força Aérea vai manter 30 aviões todos com o mesmo padrão de MLU (Mid Life Update)».

O projeto de modificação dos F16 terminou em Dezembro de 2013, com a entrega do último avião. «Os aviões P-3 estão todos entregues e estamos na fase final contratual. Quanto ao EH-101 e ao C-295, os projetos estão a decorrer com toda a normalidade. A Força Aérea está extramente satisfeita com os meios e com as capacidades que tem. Se não tivéssemos adquirido o EH-101 e o C-295, hoje, provavelmente, sentiríamos grandes dificuldades em ter um sistema de busca e salvamento com a capacidade de resposta que, pelos nossos compromissos e como Nação soberana e independente, devemos ter».

Perante a insistência na questão da oportunidade das aquisições: «Aquilo que nos diz é que todas estas aquisições faziam sentido. O que lhe pergunto é se eram urgentes, ou seja, se havia necessidade de serem feitas naquele momento?».

«Entendo que os equipamentos eram necessários e que foram adquiridos em tempo certo. E digo isto, porque embora os processos de aquisição tenham um tempo significativo entre a decisão e a receção do meio, digamos assim, o facto é que não houve quebras de capacidade».

  • Da convergência política sobre a necessidade de aquisição de equipamento militar.

«Não estamos nesta Comissão Parlamentar de Inquérito com o objetivo de procurar qualquer ajuste de contas e julgamos, mesmo, que esta Comissão pode ter um efeito pedagógico não só para percebermos muito daquele que é o trabalho difícil de muitos Ministros de Defesa Nacional que exerceram funções ao longo dos últimos anos, mas também daquela que é a necessidade, ou desnecessidade, de muitos destes equipamentos e destes programas militares», disse um dos Deputados na abertura dos trabalhos.

Foi exposta uma lista dos factores que concorrem para a concordância inter-partidária sobre a necessidade de tornar aptas as Forças Armadas portuguesas:

«A importância da opção estratégia de Defesa Nacional; o conjunto de opções do ponto de vista da programação militar ao nível de aquisição de equipamentos; o conjunto de estabilidade governativa ao nível dos processos de aquisição, das opções que são tomadas a cada momento; a relação entre o poder político e a articulação com as necessidades do poder e da chefia militar; a forma como, ao longo da sua experiência governativa, sentiu que houve a preocupação de termos um conceito de Defesa Nacional ao serviço do exercício da soberania que deve existir e que deve ser colocada em prática diariamente num estado soberano e livre como Portugal; a forma como entendeu que esse exercício real e objetivo se consubstanciou em decisões estratégicas a esse nível e se, junto das chefias militares, entendeu que este conjunto de programas de aquisição de equipamentos militares foram feitos por capricho e, como alguns diziam no passado, numa lógica de ir comprar brinquedos caros e não numa lógica que, para nós, é essencial que prevaleça, que é a necessidade de, em primeiro lugar, ter esses equipamentos para a operacionalidade das Forças Armadas, para a operacionalidade das responsabilidades de um estado soberano e para a concretização do interesse nacional, sobretudo na defesa de um país que, no caso de Portugal, tem uma zona económica exclusiva que importa salvaguardar e importa vigiar».

Depois de realizadas as audições com os três chefes do Estados-Maiores, «também ficou claro que havia a necessidade dos equipamentos, e foi não só a montante a necessidade radiografada e apresentada ao poder político, de forma a que, depois, pudesse programar, então, dentro da lógica das prioridades e da capacidade de cabimento orçamental, o que seria a sua concretização objetiva. O que nos pareceu que, ao longo dessas audições, ficou claro foi o facto de todas as decisões terem sido acompanhadas por validação técnica e operacional por parte dos ramos das Forças Armadas em relação aos equipamentos que estavam em avaliação, às opções que estavam em cima da mesa e ao que veio a ser a decisão final do processo».

Sobre o dossier dos submarinos, houve uma referência a essa quase unanimidade de propósitos: «Creio que ainda não terá passado ninguém por esta Comissão que não tenha feito parte de um consenso, aliás relativamente amplo, creio eu, até na política portuguesa, porque dele fazem parte muitos partidos, de que Portugal, sim, deve ter capacidade submarina, simplificadamente deve ter submarinos».

Como referido, foram ouvidos nesta Comissão todos os Ministros da Defesa Nacional, entre 1998 e 2014 (à excepção de Veiga Simão), havendo uma sintonia geral sobre a aquisição de equipamentos por diferentes ministros e governos. Apesar da concordância política nas grandes linhas sobre os meios de Defesa Nacional, a matéria ganha em ser exposta numa exposição cronológica dos detentores deste cargo.

  • Do entendimento de António Vitorino, Ministro da Defesa Nacional entre Outubro de 1995 a Maio de 1999, sobre a necessidade de aquisição de equipamentos militares:

«Há que distinguir duas coisas, sendo uma as prioridades de equipamento que estavam definidas na Lei de Programação Militar de 1993 e que foram revistas em 1997. Aí há vários elementos de prioridades, como eu já disse: os helicópteros de transporte; os helicópteros de combate para o Exército; as viaturas blindadas para o Exército; a substituição das velhas Chaimite, à época; o mid life upgrade (MLU) dos F-16; a prazo, a perspetiva da necessidade de modernizar a frota dos caças; a própria frota dos C-130 tinha já o seu horizonte definido. Havia ainda toda a parte da Armada, em relação à substituição das velhas fragatas que estavam em fim de período de validade. Portanto, a lista era grande, consta da Lei de Programação Militar de 1993 e da Lei de Programação Militar de 1997. Estes eram equipamentos, digamos assim, infraestruturantes da função das Forças Armadas».

Mais adianta que, em virtude de Portugal ter participado na operação militar da NATO na Bósnia-Herzegovina, «foi necessário proceder à aquisição de alguns equipamentos específicos para essa missão que estavam, digamos assim, para além do que eram os equipamentos infraestruturais das Forças Armadas. O essencial dessas aquisições foi feito antes de eu ser Ministro, embora alguns dos concursos atinentes a essas aquisições já só tenham terminado durante o período em que fui Ministro da Defesa, mas lembro-me de que havia questões de fardamento que eram importantes, porque as Forças Armadas portuguesas nunca tinham atuado em solo europeu desde a Guerra de 1914-1918 e, portanto, uma operação na Bósnia-Herzegovina exigia um tipo de fardamento bastante diferente daquele que fora utilizado em Moçambique ou em Angola, que tinham sido as missões».

  • Do entendimento de Jaime Gama, Ministro da Defesa Nacional entre Maio de 1999 a Outubro de 1999, sobre a necessidade de aquisição de equipamentos militares:

Jaime Gama, apesar de ter apenas cerca de quatro meses de responsabilidades na Defesa Nacional, declarou esta área como um bem precioso do Estado que não pode ser des substancializado: «Nunca decidi sem ter em conta o que considerei, considerava e considero interesses legítimos, mas tendo por função o interesse público e o interesse geral que, neste caso, é o interesse da Defesa Nacional, que é também um bem precioso do Estado e que não deve ser descurado, porque nenhuma cultura de des-substancialização de valores da defesa nacional é positiva para um país».

Este Ministro de António Guterres refere-se ainda à sintonia dos Governos quanto à necessidade de aquisição de material militar como uma questão transversal a diferentes instituições do Estado: «É preciso que se diga que os documentos que suportam a política pública na área da Defesa vinculam bastante, e são muitos, e fazem intervir muitos órgãos do Estado. Porque, veja: há o Conselho Estratégico de Defesa Nacional — que é proposto pelo Governo, discutido na Assembleia da República e discutido no Conselho Superior de Defesa Nacional —, há o Conselho Estratégico Militar, o Sistema e o Dispositivo de Forças, as Leis de Programação Militar, que são aqui discutidas exaustivamente e que são também submetidas a parecer do Conselho Superior de Defesa. Ou seja, nestas opções não há opções casuísticas, há opções que têm de fundamentar as decisões, um conjunto hierarquizado de documentos, de posições que vinculam tudo ao Estado português. (…)

É também interessante verificar como esse tipo de legislação, antes de ser apresentada pelo Governo à Assembleia da República, é objeto de discussão e aprovação nos órgãos militares da defesa e nos órgãos da defesa, sendo objeto de aprovação no Conselho Superior Militar, porque se pressupõe que é também importante a vinculação das chefias militares, porque é uma questão de arbitragem entre os vários ramos e do sistema conjunto, e, portanto, essa consolidação da opção submarinos encontrou suporte ao nível da decisão militar institucionalizada, ao nível dos órgãos do Ministério da Defesa, na Assembleia da República, no Conselho Superior de Defesa Nacional, envolvendo o Governo e o Presidente da República. Trata-se, pois, de opções que têm um fortíssimo endosso institucional».

Em resposta sobre o imperativo de Portugal dispor, por exemplo, de submarinos, precisa: «A necessidade de Portugal ter submarinos, pela natureza específica do seu teatro de operações, é algo que foi percecionado imediatamente a seguir a ter aparecido a arma submarina, portanto já tem muitos anos. Não só submarinos e arma submarina, como também armas antissubmarinas. Até, na altura, se dava a circunstância de a área de responsabilidade portuguesa ser muito maior, porque envolvia outros territórios e, portanto, aí havia também essa justificação suplementar. Portanto, foi sempre uma prioridade e uma constante das políticas de defesa, digamos, não vulnerabilizar essa zona e tê-la sempre preenchida. (…) Seria para mim algo extremamente perturbante vir questionar essa matéria, (necessidade de manter a capacidade submarina) tendo desempenhado funções de Ministro da Defesa Nacional. Isso seria um certificado de total irresponsabilidade».

Jaime Gama aproveita para valorizar o esforço dos três ramos na persecução dos seus objectivos apesar dos constrangimentos orçamentais dos Governos: «Temos que compreender o esforço que, às vezes, fazem as nossas Forças Armadas para subsistir no desempenho das suas missões operacionais com tão escassos meios. Embora se tenha procurado, ao longo destes anos, dotar as Forças Armadas, nos seus núcleos essenciais, de capacidades suficientes, a verdade é que essas capacidades não são excelentes, digamos assim, são suficientes, vistas no seu todo. Portanto, muito é feito e muito é trabalhado quer no mar, quer em terra, quer no ar, mas também se compreende que a capacidade aquisitiva de sistemas por parte do País não é ilimitada, porque o País tem a situação que nós sabemos. O subsistema militar é um subsistema do sistema orçamental e o sistema orçamental é um subsistema da economia. Portanto, tem de haver aqui uma relação harmoniosa, porque senão os exercícios também não têm a sua sustentação adequada.

Porém, acho que, apesar de tudo, foi e tem sido feito um esforço grande para que as Forças Armadas, que têm reduzido a dimensão do seu pessoal e têm procurado encurtar a extensão das suas plataformas e dos seus dispositivos não operacionais, se qualifiquem, e elas têm correspondido também a esse desafio gerindo dificuldades e constrangimentos grandes, aliás, com um certo sentido de correção, de disciplina, de aprumo e de patriotismo».

  • Do entendimento de Júlio Castro Caldas, Ministro da Defesa Nacional entre Outubro de 1999 e Julho de 2001, sobre a necessidade de aquisição de equipamentos militares.

Este Ministro da Defesa de António Guterres assume, em primeiro lugar, as responsabilidades e as dúvidas que teve em relação ao financiamento dos aprovisionamentos das Forças Armadas: «Fui eu quem apresentou a revisão da Lei de Programação Militar (…) que correspondeu à Lei Orgânica n.º 5/2001, publicada em Diário da República, a 14 de novembro de 2001. (…) Na intervenção que fiz, tenho um caminho crítico de exposição sobre os programas militares que nela estavam contemplados e, sobretudo, aquilo que foi a inovação do meu Ministério, ou seja, o modelo de financiamento e a existência e configuração, ao abrigo, creio eu, do artigo 230.º do Tratado de Roma, da possibilidade de, efetivamente, financiar os programas militares que constavam da Lei de Programação Militar com uma estrutura financeira, que não era o endividamento direto inscrito no orçamento, por dívida pública, mas as autorizações dadas pelo Eurostat para essa configuração financeira. Ou seja, o facto de a mesma poder ser configurada e aprovada, ao abrigo das disposições do artigo 230.º do Tratado de Roma, e de as rendas das locações financeiras e das locações operacionais poderem ser pagas e inscritas nas rubricas do exercício orçamental subsequente, a partir de 2015».

Castro Caldas recorda que a situação mais difícil se verificava na Força Aérea e na Marinha: «Foi dito por mim em Conselho de Ministros, ou seja, que não conseguiria executar um orçamento que considerava «de palavra de honra» com os Ramos militares e no qual, posteriormente, existiria uma cativação de 25% desse valor nas rubricas de operação. Pedi a demissão, saí e nenhum dos contratos subsequentes, que, aqui, os Srs. Deputados estão a analisar, foi por mim outorgado. Foram todos outorgados posteriormente».

Adianta que o modelo e o desenho operacional para a frota de submarinos que lhe era indicado como adequado previa três submarinos, ou seja, um em manutenção e outros dois em operação. As equipagens que existiam eram treinadas e prontas para poder operar os três submarinos se houvesse necessidade de entrar em operações. «Portanto, sustentei a necessidade dos três submarinos. Não conheço as razões que não sejam, porventura, um argumento de natureza orçamental que levaram o Ministro Paulo Portas a dizer que não é possível, porque é uma arma tão cara, tão cara, tão cara que não temos capacidade para poder adjudicar a construção dos três submarinos aos estaleiros de Kiel».

O Deputado José Magalhães suscitou, no entanto, a questão de haver divergências partidárias no que toca à Lei de Programação Militar de 2001. «Quem interveio em nome do PSD foi a ex-Deputada Manuela Ferreira Leite, que se dirigiu ao Ministro da Defesa Nacional considerou a proposta apresentada como «a maior provocação alguma vez feita pelo Governo à Assembleia da República por não haver memória — nessa altura era uma memória curta e feliz — de algum governo ter tido a ousadia de ter pedido o reequipamento das Forças Armadas naqueles termos. Dizia que o Sr. Primeiro-Ministro queria reequipar as Forças Armadas, havia necessidade disso, todos estavam de acordo, mas não tinha dinheiro e propunha que se pagasse em 35 anos, em prestações, em condições financeiras verdadeiramente inaceitáveis, com taxas de juro inaceitáveis e inimagináveis, etc. Portanto, o caminho da Lei de Programação Militar foi duro e só viemos a ter Lei depois, em novembro de 2001, já com o Governo à beira da demissão, depois das eleições autárquicas de dezembro desse mesmo ano, e o Primeiro-Ministro da altura alegou a necessidade de evitar o tenebroso pântano».

O ex-Ministro Castro Caldas precisou: «Havia consenso sobre a Lei, não havia consenso sobre o modelo de financiamento, porque era inovatório, mas depois o modelo posteriormente foi adotado, e foi-o para muitos outros objetos que não eram de interesse público, salvo se se quiser dizer que as autoestradas têm um interesse público equivalente ao equipamento militar ou que, efetivamente, os termos de conceptualização dos custos e dos encargos não eram aquilo que a ex-Deputada Manuela Ferreira Leite, nessa intervenção catilinária contra mim (…) configurou, porque veio a verificar-se que, efetivamente, os encargos saíram mais baratos do que se tivessem sido com endividamento e recurso aos chamados mercados, que hoje impõem a formação das taxas de juro».

  • Do entendimento de Rui Pena, Ministro da Defesa Nacional entre Julho de 2001 e Abril de 2002, sobre a necessidade de aquisição de equipamentos militares.

O ex-Ministro Rui Pena considera que o consenso interpartidário em relação a matérias da Defesa Nacional deve ser trabalhado continuadamente: «Estabeleci a regra de, creio que pelo menos uma vez por mês, me reunir separadamente (para além das idas à Comissão) com o porta-voz de cada um dos partidos — do PS, do PSD, do CDS, do Partido Comunista Português e do Bloco de Esquerda —, no sentido de defender que todas as decisões tomadas pelo meu Ministério fossem, sobretudo, decisões consensuais. Não me canso de repetir que a política de defesa é uma política de Estado e, por consequência, nunca exerci uma posição nitidamente partidária. (…) Isso permitiu que houvesse sempre uma grande colaboração por parte de todos os grupos parlamentares com o Ministro da Defesa ao tempo».

Herdeiro da governação na pasta da Defesa de Júlio Castro Caldas, Rui Pena disse à comissão que gostava de falar em primeiro lugar do enquadramento dos programas relativos à aquisição de equipamentos militares através da Lei de Programação Militar (LPM) — Lei Orgânica n.º 5/2001, de 14 de Novembro. «Reformulei e apresentei (a proposta) à Assembleia poucas semanas depois de ter assumido a pasta, e que, pela primeira vez, define uma política de longo prazo do investimento público nas Forças Armadas; do meu entendimento sobre a política de aquisição de equipamentos militares, que devia privilegiar os programas cooperativos internacionais, e a controversa questão das contrapartidas; e da minha abordagem preliminar ao concurso pendente dos submarinos».

Referiu que a LPM tinha algumas inovações relativamente às versões anteriores. «Em primeiro lugar, a vigência por 18 anos sem prejuízo da sua revisão bienal, de acordo com o ciclo da mesma duração de planeamento de forças, a assunção de compromissos nos anos seguintes para fazer face aos programas plurianuais, designadamente a capacidade de projeção de forças, o programa de busca e salvamento e o programa submarino».

Como atrás se diz, procurou o acordo alargado aos outros partidos. «Tentei que o PSD aderisse, porque era uma lei fundamental para as Forças Armadas». Mas o PSD viria a votar contra essa LPM «basicamente por discordância em relação ao modelo de financiamento. O Partido Comunista não quis entrar (…) e foi o CDS que, mercê de um conjunto de negociações, fundamentalmente com o Deputado João Rebelo e com o Dr. Paulo Portas, permitiram a aprovação da LPM».

Segundo a intervenção de Rui Pena na Comissão, os programas previstos na LPM «eram vastos, variados, foram devidamente hierarquizados» tendo todos sido objecto de uma análise minuciosa por parte do Ministério juntamente com as chefias militares.

Para a Marinha, foi defendida a «a capacidade submarina, a capacidade oceânica de superfície, a capacidade de projeção de força e a capacidade oceanográfica e hidrográfica.

No Exército, «saliento a referência à brigada mecanizada independente, ao grupo de aviação ligeira e, sobretudo, ao sistema administrativo logístico e de pessoal (…) o Exército não tinha atingido aquele grau de maturidade de modernização, de informatização, que encontrei na Marinha e na Força Aérea, e, por consequência, esta foi uma capacidade à qual dei bastante ênfase, no sentido de ser desenvolvida».

Quanto à Força Aérea, «saliento a capacidade de defesa aérea, que era fundamental para a defesa do nosso território, TASMO (Tactical Air Support Maritime Operations), a capacidade de transporte, a capacidade de busca e salvamento».

A revisão da Lei de Programação Militar (LPM), passando o horizonte dos dois anos para os 18 anos, permitia a adesão de Portugal a programas cooperativos internacionais de longo prazo, designadamente ao programa dos NH-90, no âmbito da NATO, um helicóptero médio, programa esse que já era então participado pela Alemanha, pela França, pela Itália e pelos Países Baixos. Além da interoperabilidade dos equipamentos num cenário de emprego de forças cada vez mais internacional, permitia ainda a diminuição dos custos de produção e a divisão proporcional pelas indústrias dos diversos países dos respetivos fabricos, numa base de igualdade relativa sob a direção de um comité em que cada país dispunha de um voto. «Com esta adesão, fundamentalmente, tive em vista a «proteção» da OGMA, no sentido de a transformar realmente num centro industrial de excelência sobretudo para a reparação de aeronaves».

Rui Pena afirma que assinou a participação de Portugal neste projeto em Dezembro de 2001, depois de aprovada a LPM. Tinha em vista a aquisição de dez helicópteros de fabrico médio, (que não são os helicópteros NH-101) que estavam encomendados para serem fornecidos entre 2008 e 2010. Estes helicópteros destinavam-se ao navio polivalente logístico cuja encomenda tinha sido efetuada. O mesmo programa envolvia a construção de 600 helicópteros «e associava a indústria nacional, pelo que se esperava, segundo estudos efetuados na altura, um retorno superior a 85% do custo de aquisição destas aeronaves. Foi com surpresa que vi, há alguns anos ou alguns meses, uma resolução do Conselho de Ministros de 2012 que acabava com esta participação».

Quanto à necessidade de Portugal ter submarinos, Rui Pena declara: «sempre entendi que a capacidade submarina era fundamental, sobretudo para um país como o nosso, pobre, sem capacidade para armar fragatas e desenvolver uma capacidade de superfície. Os submarinos eram a arma por excelência, dado o fator de persuasão que envolvem e o facto de também poderem fazer transmissões para efeitos de determinação e fiscalização de quaisquer atos, designadamente delituosos, praticados nas nossas águas territoriais, para além de também serem uma fonte integrada na projeção de forças, na medida em que, em determinadas alturas, podem ser utilizados quer para salvamento, quer, inclusivamente, para resgate das nossas comunidades espalhadas no estrangeiro, mormente em África. (…) Sou realmente um defensor da capacidade submarina —isto está fora de causa — e poderei dar múltiplos argumentos. Aliás, impressiona-me por que é que a Marinha não tomou um papel mais efetivo e mais forte na sua defesa, perante uma série de críticas que têm vindo, sucessivamente, a ser apontadas quanto à aquisição dos submarinos».

E conclui: «Devo dizer que reconhecia que havia um certo abandono e era absolutamente necessário o reequipamento das nossas Forças Armadas. Portanto, a LPM foi necessária, também como disse, para incentivar os nossos próprios quadros. Foi muito importante e, nesse caso, o CDS prestou, creio eu, um bom serviço ao apoiar o Partido Socialista na aprovação desta Lei de Programação Militar».

Recorde-se que o ex-Ministro enfrentou, logo nos primeiros meses do exercício do cargo, vicissitudes como os atentados de 11 de Setembro nos EUA que obrigaram os países aliados a diversas adaptações à nova realidade internacional. A luta antiterrorista obrigou logo ao desvio de verbas para a capacidade NQB: «Estávamos completamente desprotegidos relativamente a esse tipo de ataques terroristas. Recordo que determinei a realização de um exercício, que foi feito a desoras e praticamente passou despercebido, e ainda bem, porque, efetivamente foi um completo fracasso. Se, porventura, tivéssemos um ataque terrorista, não tínhamos, no momento, capacidade para lhe fazer frente».

Outro problema que preocupou Rui Pena foi a questão da capacidade de busca e salvamento. «A incapacidade dos Puma para realizarem as missões para que estavam destinados, a extensão não só do mar territorial, mas, sobretudo, a extensão da nossa zona marítima exclusiva e da plataforma continental e principalmente as obrigações internacionais que impediam sobre o Estado no sentido de salvaguardar a segurança de meios relativamente a todo o espaço marítimo do Atlântico, que representava qualquer coisa como um quarto do próprio oceano».

Finalmente, o ex-Ministro de António Guterres declarou que procedeu a um desvio para dar uma prioridade à TASMO (Tactical Air Support for Maritime Operations), designadamente através da aquisição de dispositivos para instalações fixas e para dotar navios das instalações móveis com essas capacidades. «Ao mesmo tempo, dei uma relevância especial à capacidade oceanográfica e hidrográfica, através da alteração e do apetrechamento dos navios oceanográficos D. Carlos e Gago Coutinho».

Para poder salvaguardar a zona territorial, de acordo com o Tratado de Washington, «tínhamos realmente que proceder a uma investigação, não só para assegurar a defesa, a segurança e a fiscalização, mas também promover o conhecimento submarino dos meios e dos recursos existentes, para o que realmente era necessário prosseguir, incentivar e incrementar estas operações de estudo e conhecimento», justifica.

N’outro plano, afirma que atendeu ao patrulhamento da costa. «Foi nessa altura que realizei a encomenda dos patrulhões (que, aliás, já estava feita pelo meu antecessor) e, sobretudo, de um navio polivalente logístico, que ainda não existe, que considerei uma capacidade absolutamente essencial para a nossa disponibilidade de defesa e também de garantia das nossas comunidades no estrangeiro».

  • Do entendimento de Paulo Portas, Ministro da Defesa Nacional entre Abril de 2002 e Julho de 2004, sobre a necessidade de aquisição de equipamentos militares.

O Ex-Ministro Paulo Portas fez um depoimento inicial no qual define a Defesa Nacional como um compromisso que transcende os horizontes partidários. «A política de Defesa não é um campo de arbítrio. A política de Defesa tem obediência constitucional. Não se pode invocar a Constituição só para umas coisas e depois não a invocar para outras. A Constituição é muito clara sobre o que o Estado tem de garantir às Forças Armadas.

A política de Defesa obedece ao Conceito Estratégico de Defesa Nacional. A política de Defesa obedece ao Conceito Estratégico Militar. Há o dispositivo, há as missões. É uma política vinculada, como aqui disse alguém, e bem. O Presidente da República é Comandante Supremo das Forças Armadas. Não é uma competência apenas do Executivo, a Assembleia da República fiscaliza. Portanto, é uma competência muito vinculada.

Ainda por cima, temos responsabilidades internacionais, porque somos parceiros e aliados de organizações internacionais que garantem a nossa segurança e contribuímos, como acho que qualquer humanista defenderá que se contribua, para missões de manutenção de paz e missões humanitárias pelo mundo fora com imenso brilho, que prestigiam Portugal».

Depois, pessoaliza esta orientação: «Ao longo de toda a minha vida política, defendi as Forças Armadas como pilar da fundação, da construção, do desenvolvimento e da liberdade de Portugal enquanto Estado. Em consequência, é natural que me inspire na doutrina do compromisso responsável sobre a política de Defesa Nacional, doutrina que devia unir, no essencial, os partidos de tradição europeísta e atlantista.

A Defesa Nacional é uma área de decisão plena e, felizmente, sujeita a todas as regras da democracia mas, por estar no coração do que é a própria definição do interesse estratégico de Portugal e da sua soberania, não é uma política que possa sustentar-se, apenas, por critérios de opinião pública, que são, aliás, frequentemente variáveis».

Recorda que PS, PSD e CDS-PP sempre garantiram a aprovação das leis de programação militar. Em 2001, esse consenso desfez-se, levando a que o PSD votasse contra «considerando — não sem razão — exagerada a percentagem de leasing, e o juro consequente, inscrita na LPM (Lei de Programação Militar) pelo Governo socialista. O CDS-PP tinha objeções semelhantes, mas considerou mais relevante não voltar a adiar o ciclo de planeamento e exigiu, em contrapartida, um acordo favorável relativamente aos antigos combatentes».

Do lado militar, recorda também que houve divisão no Conselho de Chefes de Estado-Maior quanto à Lei de Programação Militar de 2001. Por isso, em 2002, no seu entender, o esforço a fazer ere duplo, no sentido de recuperar uma política de compromisso.

«Congratulo-me com o facto de o Partido Socialista não ter votado contra a Lei de Programação Militar, que, em nome do Governo, apresentei a este Parlamento, em 2003. Votou mesmo favoravelmente à maioria dos programas em concreto, como, por exemplo, as viaturas blindadas de rodas, e não votou contra, mas absteve-se, por exemplo, na capacidade submarina, por considerar insuficientes os dois em vez dos três submarinos», adiantou Paulo Portas, lembrando que, na outra frente, o parecer da instituição militar tinha sido unânime e favorável. «O Chefe de Estado-Maior-General das Forças Armadas, da época, declarou e cito: «(…) nunca uma Lei de Programação Militar foi elaborada e discutida com este detalhe e com esta profundidade»».

Entre os factos relevantes para o equipamento militar, em Março de 2002, momento em que tomou posse como Ministro de Estado e da Defesa Nacional, destaca, à cabeça, aquilo que considera ser «o risco de desaparecimento de capacidades militares por absoluta vetustez dos equipamentos».

E passa a expor: «Em 2002, o estado da arte era este: as corvetas já tinham ultrapassado os 40 anos, os submarinos que sobravam haviam sido projetados há 40 anos, as chaimites iam, também, a caminho das quatro décadas, as G-3 eram do tempo da Guerra de África, os Aviocar completavam 30 anos, os navios de investigação estavam parados, vários bens já tinham sido abatidos e outros estavam na última revisão possível, ou seja, as missões das Forças Armadas, desde a dissuasão e a patrulha marítima e aérea até à busca e salvamento, ficariam perigosamente em causa se nada fosse feito. O serviço às missões humanitárias ou de manutenção de paz, que são uma obrigação de Portugal no quadro das Nações Unidas, da NATO e da União Europeia, ficaria progressivamente comprometido.

A obsolescência dos materiais teria ainda óbvias consequências no risco de vida e segurança dos militares e causaria lesões de continuidade, que levariam muitos anos a recuperar, nas escolas de especialidade.

Em suma, o atraso no reequipamento era de tal ordem que o Governo de que fiz parte não tinha outro caminho possível que não fosse tomar as decisões que se impunham para evitar um colapso operacional em setores vitais das Forças Armadas, e fazê-lo num quadro de coerência conceptual — daí a revisão dos documentos estruturantes — e de prudência orçamental».

Respondendo sobre a necessidade do programa de aquisição de submarinos, decidido no seu mandato, Paulo Portas respondeu: «Se Portugal não tiver capacidade submarina, a prazo deixa de poder ter fragatas, porque as fragatas não podem ser enviadas para o meio do mar sem proteção aérea e submarina; e se Portugal não tiver capacidade submarina nem tiver fragatas, então, não tem Armada, não tem Marinha, tem outra coisa. E Portugal não é um País ribeirinho; Portugal é um País oceânico e atlântico. É essa a nossa natureza e foi essa sempre a nossa liberdade ou a fonte da nossa liberdade».

  • Do entendimento de Luís Amado, Ministro da Defesa Nacional entre Março de 2005 e Julho de 2006, sobre a necessidade de aquisição de equipamentos militares.

Também Luís Amado reitera, logo de início, o propósito e a vantagem de haver consenso entre os partidos nestas áreas: «A política de defesa tem sido, felizmente, nesta Casa e ao longo de muitos anos, objeto de um forte compromisso interpartidário, no sentido de garantir alguma estabilidade num setor que todos reconhecem ser absolutamente vital para imagem e para a confiança e segurança do País.

Portanto não entrei no Ministério desconhecendo a política que vinha sendo assumida porque, em grande parte, ela também era construída na base de um consenso, que se vinha protelando de governo em governo, ao longo dos últimos 20, 25 anos. (…)

O Deputado António Filipe (PCP) teve sempre um papel muito ativo na construção de soluções para os problemas de política de defesa, em nome do Partido Comunista, e, portanto, não era para mim estranho o que ia encontrar no Ministério da Defesa».

Nesse sentido, afirma que não pôs em causa os programas de aquisição que tinham sido decididos pelo anterior Governo, «precisamente porque, em grande medida, eles visavam responder a um problema, que as Forças Armadas sentiam, de dificuldades de equipamento militar de grande importância para a manutenção da capacidade operacional das Forças Armadas.

Portanto, a situação de emergência em que alguns programas foram activados ainda pelo anterior Governo, no sentido de reequipar as Forças Armadas com alguns sistemas de armas e de equipamentos muitos importantes para o futuro da instituição militar, tinham, naturalmente, a aceitação do Partido Socialista».

Assim, a política que seguiu, de imediato, «foi a de não interromper nenhum dos procedimentos que estavam em curso, pelo contrário, dar continuidade a alguns deles, excetuando a aquisição das fragatas Perry e a sua substituição, precisamente pela perceção que tive em determinado momento, também em concertação com a Marinha de Guerra, das dificuldades relacionadas com esse programa. Excetuando a acção que tive nesse domínio, todos os procedimentos que estavam em curso foram mantidos, numa linha de continuidade que entendi ser importante para preservar o interesse das Forças Armadas e o interesse do País».

Reforçou ainda a necessidade que sentiu de dar continuidade à política de aquisições do mandato anterior de Paulo Portas, uma vez que «a situação de emergência em que alguns programas foram ativados ainda pelo anterior Governo, no sentido de reequipar as Forças Armadas com alguns sistemas de armas e de equipamentos muito importantes para o futuro da instituição militar, tinham, naturalmente, a aceitação do Partido Socialista».

Nas questões que levantou na Comissão, o Deputado José Magalhães corroborou o mesmo ponto de vista da concordância entre Paulo Portas e Luís Amado, acrescentando algumas nuances. A política de Amado era de modo a «não pôr em causa os programas, até porque eles constavam de uma Lei de Programação Militar que tinha sido aprovada por consenso alargado, embora com uma distância do PSD em 2001, que votou contra, tendo feito a rattrapage em 2003, altura em que estava no governo, e, portanto, a questão da correção estratégica das aquisições não foi posta em causa porque correspondia a problemas reais».

  • Do entendimento de Nuno Severiano Teixeira, Ministro da Defesa Nacional entre Julho de 2006 e Outubro de 2009, sobre a necessidade de aquisição de equipamentos militares.

Nuno Severiano Teixeira, com a sua sensibilidade para as questões históricas, não deixou de fazer uma introdução sobre a matéria da aquisição dos equipamentos militares. «Ao longo de todo o período da nossa história, tivemos uma forma de equipamento das nossas Forças Armadas que era uma forma ad hoc. Ou seja, se olharmos para o nosso século XIX e para o nosso século XX, o que acontecia é que, quando era preciso, quando a guerra estava iminente, quando um conflito se desencadeava, lá ia o País a correr, tarde e a más horas, procurar o equipamento para fazer face às necessidades que tinha.

Ora, a grande diferença que a democracia fez relativamente ao anterior período foi ter um edifício legislativo de Defesa Nacional a funcionar e uma lei de programação militar que é, no fundo, nada mais, nada menos, do que um plano, digamos assim, de equipamento programado das Forças Armadas, programado do ponto de vista estratégico e programado do ponto de vista do seu financiamento. Assim, permite que as Forças Armadas se equipem de acordo com um planeamento de longo prazo. Isso é uma conquista fundamental da democracia portuguesa».

Para Nuno Severiano Teixeira, do ponto de vista dos princípios, o edifício legislativo para a área da Defesa é uma matéria de consenso nacional e deve permanecer como tal.

«O que não quer dizer que sempre que se coloca um problema de aquisição de equipamentos não haja uma discussão, quer no plano técnico, quer no plano político, que muitas vezes é complexa, porque há imensos fatores a ponderar, há fatores de natureza técnico-militar, há fatores de natureza de cabimento orçamental, há fatores de operacionalidade, há uma enorme panóplia de fatores, como os benefícios para a economia portuguesa».

Mas isto significa despesa e investimento público que «sendo públicos e vultuosos, têm de ser feitos com muita ponderação, com muito cuidado e acautelando o interesse do País, procurando adaptar — e é aqui que está, normalmente, a dificuldade — os recursos disponíveis às prioridades. É neste ponto que surge, muitas vezes, a discussão sobre se este equipamento deve ser adquirido ou não, se este é prioritário em relação ao outro».

  • Do entendimento de Augusto Santos Silva, Ministro da Defesa Nacional entre Outubro de 2009 e Junho de 2011, sobre a necessidade de aquisição de equipamentos militares.

O ex-Ministro da Defesa Nacional de José Sócrates, apesar de ter abreviado as suas declarações sobre as questões do consenso no equipamento das Forças Armadas, não deixou de referir, na questão dos submarinos, o objectivo comum português de responder à possibilidade de alargamento da Plataforma Continental.

«As razões, do ponto de vista geral, parecem-me fáceis de compreender e o recente esforço nacional — já com mais de uma década — de fazer alargar a sua reconhecida Plataforma Continental e as propostas e o processo de decisão que está em curso junto das Nações Unidas só aumenta a necessidade de as Forças Armadas portuguesas, em particular a Marinha, quer enquanto Armada, quer enquanto Marinha, manterem a capacidade submarina».

Lembrou que estes termos já tinham sido definidos em 12 de Setembro de 1995, no XII Governo Constitucional, através de um programa de substituição da capacidade submarina que previa a aquisição de três novos submarinos. E reforçou a ideia: «não conheço até agora nenhum Governo que tenha dito «nós somos favoráveis a que essa capacidade submarina desapareça da nossa Armada» e, como já respondi, eu também sou dessa opinião, mas temos outros elementos, que são restrições orçamentais e outras necessidades, e por isso é que é preciso estabelecer prioridades».

O mesmo não pode dizer do estabelecimento de prioridades feito pelas Forças Armadas, «sucessivamente validades pelo Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas — que é, justamente, a pessoa que, dado o seu cargo, tem a responsabilidade de olhar para todos os ramos transversalmente», e que «foi definindo prioridades nas quais, por vezes, não estavam os submarinos».

O ex-Ministro lembra que o navio polivalente logístico, a arma ligeira e outras necessidades das Forças Armadas, quer do Exército, quer da Marinha, os navios patrulha etc., foram configurados em listas de prioridades que foram variando, foram seguidas umas vezes e outras não, e vários Governos tiveram de tomar decisões sobre essas prioridades. E precisa que o Governo em funções em 2004 decidiu continuar o processo de aquisição dos submarinos, «entendendo que as novas restrições orçamentais não prejudicavam esse processo e entendendo provavelmente que ele já estava num ponto de avanço tal que talvez interrompê-lo fosse mais custoso para o País do que terminá-lo. O atual Governo ainda há uns meses se viu obrigado a cancelar o programa dos navios patrulha da Marinha que estavam por fazer».

  • Do entendimento de José Pedro Aguiar-Branco, Ministro da Defesa Nacional desde Junho de 2011, sobre a necessidade de aquisição de equipamentos militares.

José Pedro Aguiar-Branco inicia o seu mandato de Ministro da Defesa Nacional no tempo coincidente ao Programa de Ajustamento Financeiro. Estes constrangimentos circunstanciais têm consequências, por exemplo, no caso dos Helicópteros: «Uma coisa que era moderna, atual e de vanguarda em 2001, em equipamento de alta tecnologia, é fácil de constatar que em 2011 ou em 2012 já não o é. Portanto, sofreu um agravamento desta ordem de natureza, o que faria com que Portugal, em pleno coração da crise mais dramática que viveu em democracia e que deu origem ao Programa de Ajustamento Financeiro, teria de suportar cerca de 260 milhões de euros entre 2011 e 2014 e, ainda assim, sem receber qualquer helicóptero».

Portugal não tinha dinheiro para acompanhar a situação. «Vim ao Parlamento, à Comissão de Defesa, e dei nota da Resolução do Conselho de Ministros e da intenção de acabar com esta participação portuguesa e negociar a saída de Portugal do programa, porque ela revelava-se sempre com condições financeiras vantajosas, no sentido de que não teríamos de suportar encargos que eram insustentáveis para o futuro e também por uma questão muito prática: não tínhamos dinheiro. Como não tínhamos dinheiro, era preciso encontrar uma solução».

Na revisão que teve de fazer no Conceito Estratégico de Defesa Nacional estabeleceu o novo nível de ambição que vai estabelecer o sistema de forças. «A Lei de Programação Militar vai ser mais modesta do que era na altura, porque o nível de ambição que está estabelecido, o nível de missões a cumprir, face àquilo que é o realismo da atual situação económica e financeira e que se irá projetar em 2020».

Apesar destas variações ditadas por imperativos financeiros internacionais, o actual Ministro da Defesa diz que, à semelhança dos seus antecessores, tentou causar a menor turbulência possível na sequência política apartidária que envolve a Defesa Nacional: «Se há área por excelência onde menor perturbação possível deve acontecer é nesta, nomeadamente porque ela tem uma expressão muito relevante na ação externa do Estado português e muito importante no que diz respeito à presença, por exemplo, nas alianças de que fazemos parte e que asseguram a Defesa Nacional na nossa defesa cooperativa na NATO e na União Europeia». E mais esclareceu: «Todas essas realidades não são compagináveis com decisões de circunstância mas, sim, com uma situação de contínuo que acontece ao longo do tempo — e, felizmente, em democracia tem sido sempre possível encontrar nos partidos do chamado «arco da governação» uma grande capacidade de entendimento nas matérias estruturantes».

O Ministro Aguiar-Branco deu uma nota deste entendimento que, apesar de ser de pormenor, ilustra bem a continuidade na transmissão de pastas entre diferentes cores políticas: «Quando fizemos a reunião de passagem da pasta, lembro-me bem de uma das indicações que me deu o Sr. Ministro Santos Silva: «Olhe, se fosse a si, realmente avançava com esta resolução, porque esta situação não é aceitável em termos do Estado português». Estudei o assunto, convergi na análise e fizemos a resolução, como digo, conscientes de que a força, tal como devia ser constituída e construída, não ficava na perfeição, mas que — e isto foi com o aconselhamento e a abordagem técnica na relação entre o Ministério e o Exército —, perante aquele cenário, não restavam outras alternativas que não fosse defender o interesse público por via da resolução do contrato».

Em resposta às questões dos Deputados, pôde acrescentar ainda nesta matéria: «Nunca vi a LPM e a sua execução serem questionadas, pelo contrário, foi dito aqui que a condição do exercício, entre 2006 e 2011, existia para poder cumprir o programa que estava previsto».

3.5 – Programas Internacionais Cooperativos na área da Defesa.

Além das aquisições militares e dos programas de contrapartidas a elas associadas e que constituem o objeto desta Comissão Parlamentar de Inquérito, foi trazida à discussão a participação de Portugal em Projetos Cooperativos7 como a NAHEMA (Agência de Manutenção de Helicópteros da NATO), para produção do NH-90 (NATO Helicopter 90).

Como este foi o único caso suscitado perante a CPIRAEM, apenas este será referido.

“Na medida que os orçamentos de defesa continuam a diminuir e os custos dos equipamentos a escalar, os Estados enfrentam dificuldades em manter uma base industrial e tecnológica nacional. Adicionando a necessidade de interoperabilidade, a cooperação industrial apresenta-se como a melhor opção para concretizar objectivos de segurança nacional e internacional e para o desenvolvimento da indústria nacional, justificada pelo elevado valor acrescentado dos produtos e serviços que adquire, baseados em tecnologias inovadoras com potencial de duplo-uso e aplicação em diversos sectores.8

Surgem assim os Projetos Internacionais Cooperativos9 na área dos equipamentos de defesa e que são projetos em que “duas ou mais nações cooperam na investigação e desenvolvimento, produção e aquisição de equipamentos para satisfazer uma dada necessidade. É geralmente aceite que inclui: troca de informação e pessoal; investigação, desenvolvimento, testes e avaliação de tecnologias, sistemas, subsistemas e equipamentos; produção cooperativa e manutenção.

São projectos que podem ter diferentes escalas, desde pequenos projectos bilaterais a grandes projectos multinacionais.

Desenvolver domesticamente grandes equipamentos é hoje incomportável para a maioria dos Estados devido à complexidade e elevados custos dos equipamentos. Assim sendo, os grandes programas de defesa são, na sua maioria, programas internacionais cooperativos, em que há um envolvimento dos Estados interessados na aquisição do sistema. Os Estados financiam o programa, comprometendo-se a adquirir um número determinado de equipamentos ou volume de serviço e é este investimento, de cada Estado, sob a forma de encomendas, que define a quota de trabalho alocada à indústria de cada país, numa lógica de justo retorno. Assim, uma lógica de participação industrial terá de contar sempre com o investimento do Estado português no desenvolvimento de sistemas que prevê adquirir no futuro.10

Como no caso de Espanha, que referiremos mais adiante, as contrapartidas nas aquisições militares ao exterior podem ser aproveitadas para a realização de projetos cooperativos.

Em 1985 França, Alemanha, Holanda e Reino Unido juntaram-se para desenvolver um helicóptero de transporte e anti-navio/anti-submarino para a década de 1990.

O Reino Unido deixou a equipa em 1987.

Em 1992, a 1 de setembro, as Indústrias NH assinaram um contrato para a conceção e desenvolvimento dos NH90 com a NAHEMA. Portugal adere à NAHEMA em 21 de Junho de 2001.

Trata-se de um modelo de edificação de capacidades que, na visão do Ministro da Defesa Nacional, José Pedro Aguiar-Branco, em termos teóricos, lhe parece mais correto.

“ Aliás, tem uma dimensão que vai ao encontro da lógica da partilha e da lógica que subjaz aos programas, quer em termos da NATO, quer em termos da União Europeia, de pooling and sharing, ou, smart defence, em que, ao fim ao cabo, em conjunto, podemos edificar capacidades, gastando cada País menos, para ter as capacidades de resposta.11

O Projeto Cooperativo NH 90 (NATO Helicopter for the 1990s) nasce em 2001 e visava o fornecimento de 10 helicópteros, com um valor previsto de aquisição de 181 milhões de euros.

O Ministro Aguiar-Branco descreve a situação que encontrou: “Em Portugal, no ano de 2011, ainda não existia sequer nenhum helicóptero, portanto não foi construído nenhum helicóptero nestes 11 anos. Já tínhamos despendido, para este programa, cerca de 75 milhões de euros e o custo total do programa, tal como ele estava previsto, na altura, já não era de 185 milhões de euros mas, sim, de mais de 500 milhões de euros.

Ou seja, o custo do programa tinha e tem uma situação que deverá ser revista para futuro, que é uma permanente atualização dos valores mais altos, devido à obsolescência de vários equipamentos, entre outras coisas, que, aliás, se percebe, dado o tempo decorrido.

Uma coisa que era moderna, atual e de vanguarda em 2001, em equipamento de alta tecnologia, é fácil de constatar que em 2011 ou em 2012 já não o é. Portanto, sofreu um agravamento desta ordem de natureza, o que faria com que Portugal, em pleno coração da crise mais dramática que viveu em democracia e que deu origem ao Programa de Ajustamento Financeiro, teria de suportar cerca de 260 milhões de euros entre 2011 e 2014 e, ainda assim, sem receber qualquer helicóptero.12

Na altura o MDN veio à Comissão de Defesa Nacional e deu nota da “Resolução do Conselho de Ministros e da intenção de acabar com esta participação portuguesa e negociar a saída de Portugal do programa, porque ela revelava-se sempre com condições financeiras vantajosas, no sentido de que não teríamos de suportar encargos que eram insustentáveis para o futuro e também por uma questão muito prática: não tínhamos dinheiro. […]

Nesse sentido, desenvolvemos contactos com a NAHEMA (Agência de Manutenção de Helicópteros da NATO), que é a entidade que faz a gestão deste projeto. Devo dizer-vos que não foi só Portugal, países como a Alemanha reduziram a sua participação de 120 para 80 helicópteros, o que significa que, em termos proporcionais, é uma situação muito elevada por comparação ao que significava a Alemanha na própria participação do projeto.

Iniciámos um processo de negociação, de que fui dar conta à Comissão de Defesa, em que, em primeiro lugar, a NAHEMA apresentava ao Estado português uma compensação de cerca de 201 milhões de euros, por perdas e danos futuros, e a nossa perspetiva era de que isso não se traduziria em mais de 60 milhões de euros, que seria o custo da saída do programa e poderia, no nosso entendimento, ser convertido na aquisição de outro tipo de equipamento, nomeadamente em helicópteros ligeiros, por via das indústrias que sustentam o programa cooperativo.

Essa negociação ainda está a decorrer e, quanto a essa matéria, tenho espectativas positivas face às negociações que estão a findar e em vias de serem formalizadas. Quando forem formalizadas, virei à Comissão de Defesa, como já fiz, quando foi a Resolução do Conselho de Ministros e os dados da saída do programa, para anunciar os termos que estão apontados para efeitos do efetivo acordo, porque confio que o valor que irá ser considerado seja, ainda assim, bastante inferior àquele que nós próprios estimávamos que pudesse acontecer. Ou seja, quanto aos 60 milhões de euros que anunciei na Comissão de Defesa, acredito que o resultado final será inferior a esse.

Espero que do envio de documentação para o Tribunal de Contas resulte num conjunto de recomendações relativas a lições aprendidas que permitam que, no futuro, a gestão financeira deste tipo de contratos possa ser mais eficaz, nomeadamente no que diz respeito à chamada revisão de preços e metodologia de revisão de preços, que, no contrato em causa, corresponde ao Anexo H, e que permite, no caso em concreto, fazer com que este contrato se tenha vindo a tornar insustentável. Julgo que, no futuro, deverá ser uma medida acautelada, porque, em teoria, me parece que esta forma de comprar e de edificar capacidades é mais vantajosa do que a do regime das contrapartidas.13

Não obstante Portugal ter deixado a NAHEMA pelas razões aduzidas pelo MDN perante a CPIRAEM e, anteriormente, perante a Comissão de Defesa Nacional, a ideia de comprar e edificar capacidades em projetos cooperativos permanece como uma opção a explorar em termos estratégicos de economia da defesa.

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